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Índice de verbetes


Arthur Conan Doyle



Arthur Ignatius Conan Doyle (Edimburgo, Escócia, 22 de maio de 1859 — Crowborough, Inglaterra, 7 de julho de 1930) foi um médico e escritor escocês, celebrizado pela mídia internacional como o criador do famoso personagem Sherlock Holmes, sobre o qual compôs seis dezenas de estórias, figurando-se assim como um gênio da literatura criminal, tendo escrito também muitas obras de outros gêneros, incluindo histórias de ficção científica, novelas históricas, peças e romances, além de poesias e obras de não-ficção, com destaque para seus narrativas históricas sobre Espiritismo e espiritualismo em geral, especialmente o movimento conhecido como Espiritualismo Moderno, que ele definiu como “o mais grandioso fato que existe no mundo” e de que foi patrono e um dos seus maiores propagandistas em seu tempo. Seu livro A História do Espiritualismo é um clássico da literatura espírita mundial e o conjunto de sua obra filantrópica e propagandista em favor da causa espiritualista o coloca na galeria dos grandes vultos que direta ou indiretamente contribuíram com a Doutrina Espírita.


Arthur Conan Doyle (1859-1930)



Origem familiar e formação

Conan Doyle nasceu do casamento de Charles Altamont Doyle, um inglês de ascendência irlandesa, com a irlandesa Mary Foley, cujas famílias eram fervorosamente católicas, pelo que também ele foi educado sob a mesma doutrina. Aos nove anos de idade, ele foi enviado para o curso preparatório num colégio jesuíta, sendo em seguida matriculado no Colégio Stonyhurst, igualmente de orientação católica. O fervor dogmático de muitos de seus parentes não tardaria de lhe infligir duras provações. De fato, um entendimento mais íntimo e compreensivo de ambas as partes ele só teria mesmo com a sua mãe, que marcaria forte presença na sua vida, como na força impressa no adágio: “Sem temor diante dos fortes e humilde diante dos fracos”.

“Sua mãe foi uma mulher verdadeiramente excepcional, quer pela pureza do caráter, como pela franqueza das atitudes e também pelo respeito que devotava ao ser humano. Conan Doyle foi ‘o ídolo do seu coração’. Ambos se amavam enternecidamente e se compreendiam melhor, talvez em virtude da afinidade moral entre eles existente.”
Reformador - nov. de 1978

Com efeito, ao concluir o colegial, em 1875, o jovem Arthur abjurou o cristianismo e passou a seguir o Agnosticismo, por influência de sua admiração pelo escritor Thomas Babington Macauley, que se dizia agnóstico. Sua rejeição ao catolicismo ficou ainda mais latente especialmente por ele não admitir concordar com a tese de que os não-católicos iriam para o inferno, conforme escutara em certa homilia de um padre. Sua renúncia convicta e formal à igreja iria lhe impor grande dificuldade aos seus planos iniciais para a vida profissional, como médico:

“Depois de formado, agnóstico, sofreu para conseguir emprego. A família, muito influente na sociedade, para ajudá-lo impôs-lhe que voltasse ao Catolicismo, coisa que não aceitou, de forma enérgica, o que lhe custou o rompimento com seus tios.”
Mundo Espírita - FEP

Foi mais pelo espírito de caridade e interesse em ajudar os mais carentes que o levou a cogitar a carreira médica. Entre 1876 e 1881, ele estudou medicina na Universidade de Edimburgo, passando também um tempo na cidade de Aston (atualmente, um distrito de Birmingham) e em Sheffield. Em meio aos estudos, porém, a vocação para a literatura aflorava vigorosamente e ele desde logo começou a escrever pequenas histórias, sendo sua primeira obra publicada antes de completar os 20 anos, aparecendo no Chambers’s Edinburgh Journal.

Ainda estudante, sem recursos financeiros, submeteu-se a serviços diversos em busca do próprio sustento. Numa dessas empreitadas, teve sua primeira experiência naval, como médico numa baleeira, onde ficou sete meses no Oceano Ártico. Após a sua formação na universidade, em 1881, serviu como médico de bordo no navio "Mayumba" em viagem à costa Oeste da África, mas em outubro daquele ano a embarcação passou por sérias dificuldades no mar e, quando retornou a Liverpool no ano seguinte, Doyle escreve a sua mãe — que o incentivara nesta aventura — dizendo que não mais embarcaria pois “o que ganho é menos do que poderia ganhar com a minha pena ao mesmo tempo, e o clima é atroz.” Enfim, completou seu doutorado versando sobre tabes dorsalis em 1885.

Entre os estudos médicos e a pena de escritor, ele também se arriscou nos esportes: foi goleiro de um time amador Portsmouth, jogou críquete na primeira classe pelo MCC, boliche e golfe, sendo o capitão do Clube de Golfe de Crowborough Beacon, East Sussex, em 1910.

Conan Doyle teve dois casamentos. O primeiro deles em 1885, com Louise Hawkins, com quem teve dois filhos: Mary Louise (1886-1976) e Arthur Alleyne Kingsley (1892-1918); ele ficou viúvo em 1906, quando sua senhora faleceu de tuberculose. Seu segundo matrimônio foi no ano seguinte, com Jean Elizabeth Leckie (1874-1940) que lhe deu mais três filhos: Denis (1909-1955), Adrian (1910-1970) e Jean Lena Annette (1912-1997).


Consagração como escritor

O Dr. Conan Doyle aventurou-se na prática médica em Plymouth, em 1882, primeiramente em sociedade com um colega de classe, mas não tardou e a parceria foi rompida. Então ele se transfere para Portsmouth e lá abre seu consultório particular. Os negócios não iam bem por falta de pacientes, ocasionando tempo com folga para o médico poder dar lugar ao escritor. E foi durante esse ócio que surgiu a sua primeira grande obra: A Study in Scarlet (Um Estudo em Escarlate), originalmente publicada pela revista Beeton's Christmas Annual em novembro de 1887, e depois lançada em formato de livro em julho do ano seguinte. Já nesta obra, aliás, o autor dá vida ao célebre personagem Sherlock Holmes, o sagaz detetive particular, que Conan Doyle criou inspirado em um de seus professores na universidade: Joseph Bell. Também nesta aventura já aparece o seu outro personagem famoso: o Dr. Watson — narrador e coadjuvante nas aventuras do esperto detetive.

As seis dezenas de estórias protagonizadas por Sherlock Holmes e outras ficções escritas por Conan Doyle fizeram deste um escritor consagrado mundialmente, além de figurar seu nome como o grande inovador no gênero da literatura criminal. Em dado momento, porém, ele largou as ficções para se dedicar ao gênero que particularmente mais lhe agradava: História. Em War Boer (A Guerra Bôer) de 1900, por exemplo, ele narrou sua versão para a Guerra dos Bôeres, envolvendo os bôeres (colonos de origem holandesa e francesa) na Cidade do Cabo, África do Sul em duas etapas (1880-1881 e 1899-1902). A argumentação desta obra em defesa da posição britânica nesse conflito rendeu ao escritor o honorável título de Cavaleiro Real em 1902, concedido pelo Rei Eduardo VII da Inglaterra, pelo que passou a ser chamado Sir Arthur Conan Doyle. Em favor desta honraria, também pesou o fato de ele próprio ter servido na linha de frente da batalha como médico cirurgião, sendo elogiado pela coragem e determinação na prestação de socorro aos soldados.

Sua atração pela História e a capacitação adquirida em Historiografia mais tarde lhe serviriam de apoio na empreitada de historiar o Espiritualismo Moderno.


Outras aventuras

Do gosto pela historiografia para a política foi um pulo: ele então se alistou no Partido Unionista Liberal e tentou por duas vezes uma vaga para o Parlamento do Reino Unido, mas sem obter sucesso nos pleitos, conquanto tivesse sido bem votado.

Em outra frente de atividade, atuou como defensor de justiça na reabertura das investigações de dois casos que ficaram notabilizados pela mídia da época e nos quais ajudou a inocentar dois homens dos crimes dos quais foram acusados. No primeiro caso, em 1906, sua linha de defesa em favor de um cidadão britânico de origem indiana ajudou a estabelecer uma maneira de corrigir outros erros judiciários, pois foi parcialmente como resultado desse caso que o Tribunal de Apelações Criminais foi estabelecido em 1907. No segundo caso, em 1928, ele ajudou a absolver um judeu de origem alemã acusado de espancar uma mulher de 82 anos em Glasgow em 1908, pelo que Conan Doyle demonstrou várias inconsistências na tese da promotoria, tanto acreditando na inocência do condenado que acabou pagando a maior parte dos custos do bem-sucedido processo de apelação.

Também ingressou na maçonaria por duas vezes: em 1887, ele foi iniciado na loja da Phoenix Lodge em Southsea, a ela renunciando em 1889. Três anos depois ele voltaria à mesma confraria, permanecendo até 1911, quando fez a renúncia definitiva.


Adesão ao movimento espiritualista

O gosto pelos assuntos místicos e espiritualistas era latente em Conan Doyle, então ainda mais aflorados com o movimento do Espiritualismo Moderno, quando se popularizaram as sessões de Mesas Girantes, em que as pessoas se reuniam para fazer evocações de Espíritos.

No comecinho de 1887, em Southsea, influenciado por um de seus pacientes, o major-general Alfred Wilks Drayson, membro da Sociedade Literária e Filosófica de Portsmouth, Doyle mergulhou num estudo profundo acerca do moderno movimento espiritualista, devorando perto de uma centena de livros. Depois dos livros, era hora da experimentação prática, o que finalmente teve início na companhia de um amigo, Ball, arquiteto em Portsmouth. Desde a primeira sessão em 24 de janeiro até o mês de julho daquele mesmo 1887, ele fez um relatório pormenorizado dessas reuniões, no qual se pode perceber a sua compreensão e o seu profundo interesse pelos fenômenos mediúnicos. Seis sessões foram realizadas com um médium experimentado, de nome Horstead. Numa dessas reuniões, esse médium disse estar vendo um Espírito que olhava fixamente para Conan Doyle e para quem emitira uma enérgica mensagem: “Esse cavalheiro é médico. Não deve ler o livro de Leigh Hunt.” Conan Doyle compreendeu o recado e depois explicou o contexto: estava vacilante sobre se deveria ou não comprar a obra Os Dramaturgos Cômicos da Restauração, do autor refiro pelo Espírito, receoso devido à linguagem libidinosa do livro. Como jamais havia revelado esse fato a quem quer que seja, nem pensava naquela questão nessa ocasião, ficou propenso a considerar a veracidade da manifestação, descartando inclusive a possibilidade de telepatia. Mas precisa ver mais para ficar seguro do fenômeno, mesmo porque eram abundantes os relatos de embustes e charlatanismo. Felizmente, a minuciosa investigação prosseguiu e enfim as evidências lhe aclararam a mente, mediante a convicção obtida pela sagacidade — que lhe era própria — então empregada no exame dos fatos.

“Desvendar assassinatos e crimes com um raciocínio lógico e muita inteligência era a principal característica de um dos personagens mais conhecidos de histórias de detetive da literatura universal: o Sherlock Holmes. Assim como esse personagem, o seu criador, o escritor escocês Arthur Conan Doyle, famoso em todo o mundo por suas histórias policiais, foi também um grande pesquisador e usou sua inteligência e raciocínio lógico para entender também o espiritismo.”
Correio News - 30/05/2022

Naquele mesmo ano, escrevendo para o jornal espiritualista Light, ele então se declarou um espiritualista. A exemplo dos percalços que enfrentou por conta de renunciar à fé católica, esta nova confissão de fé o privaria de novas honrarias da nobreza britânica, mas Arthur Conan Doyle preferiu honrar sua consciência, e manteria até o fim de sua vida sua declaração de crente convicto nas revelações do Espiritualismo Moderno. E muito mais do que um mero adeso ao movimento, foi um dos seus mais notáveis propagandistas — senão o mais importante em seu tempo.


Ativista espiritualista

Em 1889, tornou-se membro fundador da Sociedade de Pesquisas Psíquicas de Hampshire; em 1893, ingressou na Sociedade de Pesquisas Psíquicas de Londres; e em 1894, ele colaborou com Sir Sidney Scott e Frank Podmore em uma busca por poltergeists em Devon.

Por esse tempo, aconteceu um importante “contratempo” na vida do novo espiritualista declarado: sua criação Sherlock Holmes alcança grande popularidade e passa a ocupar muito o tempo do seu criador, tanto que Conan Doyle escreve para sua mãe, em novembro de 1891, alegando um certo desconforto com aquele sucesso: “Acho que vou assassinar Holmes… e lhe dar fim de uma vez por todas. Ele priva minha mente de coisas melhores.” Em resposta, sua mãe ponderou: “Faça o que achar melhor, mas o público não aceitará essa atitude em silêncio.” De fato, em The Final Problem (O Problema Final), de 1893, o célebre detetive e seu arquirrival — o Prof. Moriarty — encerram suas trajetórias atirando-se numa catarata. Era para ser o fim, todavia o enorme apelo popular forçou o escritor a recriar aquele desfecho na obra The Return of Sherlock Holmes (O Retorno de Sherlock Holmes) de 1903. Apesar desse “contratempo”, Conan Doyle permaneceu atento às investigações psíquicas, especialmente acompanhando de perto os trabalhos de notáveis cientistas dedicados ao assunto, tais como William Crookes, Frederic Myers e Oliver Lodge.

Uma maior dedicação ao tema viria por conta da dor. Em 1916, no auge da Primeira Guerra Mundial, a crença de Doyle nos fenômenos psíquicos foi fortalecida pelo que ele considerou serem as habilidades psíquicas da babá de seus filhos, Lily Loder Symonds. Isso e a batida constante das mortes em tempo de guerra o inspiraram com a ideia de que o Espiritualismo Moderno era o que ele definiu como “Nova Revelação” enviada por Deus para trazer consolo aos enlutados. Ele escreveu um artigo na revista Light sobre sua fé e começou a fazer palestras a respeito. Em 1918, publicou sua primeira obra sobre esta temática: A Nova Revelação.

O que ele chamou de “consolo divino” igualmente teve serventia para sua casa. A Guerra ceifara a vida de pessoas das mais próximas de seu coração. Seu primogênito, Kingsley, faleceu em 28 de outubro de 1918 vítima de pneumonia contraída na convalescência de um ferimento no campo de batalha. No ano posterior, em semelhantes condições, tombaria também um irmão de Doyle, o brigadeiro-general Innes Doyle. Seus dois cunhados, bem como seus dois sobrinhos, também morreram pouco depois. Foi nesse cenário pungente, em 1919, que veio a lume o seu segundo livro espiritualista: The Vital Message (A Mensagem Vital).

Doravante, Arthur Conan Doyle dedicou a maior parte do seu tempo à divulgação da causa espiritualista, sendo bastante requisitado para palestras e outros eventos do gênero, viajando por toda a Europa, pelos Estados Unidos da América, Canadá, África do Sul, Austrália, Nova Zelândia e muitos outros lugares ao redor do mundo, financiando às próprias custas suas viagens, assim como outras tantas iniciativas para a promoção da nova doutrina.

Foi escolhido Presidente de honra da Federação Espírita Internacional, Presidente da Aliança Espiritualista de Londres e ainda Presidente do Colégio Britânico de Ciência Psíquica.


Afloramento religioso

Em dado momento, a repulsa instintiva de Conan Doyle pela religião guinou para a direção de uma ardorosa vocação em promover a religiosidade trazida pela moderna revelação espiritualista. Bem mais tarde ele recordaria um curioso ocorrido de 1906, por ocasião da visita de seu irmão, capitão Innes Doyle, que se mostrava surpreso pelo sucesso de Arthur na literatura ao invés da carreira médica, ao que ele respondeu que o grande feito de sua vida não seria em nenhuma dessas carreiras, mas na religião — uma resposta que irrompera involuntariamente de sua boca, como que proferida por uma terceira pessoa. Voltando a si, surpreso, deixou-se levar pelo riso do irmão, como que ambos rissem de uma piada. Em verdade, porém, é que no momento oportuno o ex-agnóstico tornar-se-ia um expoente de uma nova geração de religiosos.

“Desde que iniciara os estudos psíquicos, em Southsea, que Conan Doyle nutria grande afeto pelo Espiritismo, porque, na sua opinião, nele poderiam ficar incluídos todos os credos religiosos. Religião sem dogmas, sem liturgia nem intolerâncias, o Espiritismo inspirara-lhe simpatia muito profunda, porque coincidia com o seu espírito altamente humano, extraordinariamente reto e liberal.”
Reformador - nov. de 1978

A nova revelação resgatava a verdadeira religiosidade — a religião natural — fazia que se compreendesse Deus com toda a dignidade própria da Divindade. Arthur Conan Doyle resumia sua crença neste heptálogo:

1) Paternidade de Deus;
2) Fraternidade do homem;
3) Sobrevivência da alma;
4) Comunicação entre os vivos e os mortos;
5) Responsabilidade pessoal;
6) Justiça divina premiando a cada um segundo seu merecimento e seus esforços;
7) Progressão eterna.
A História do Espiritualismo, Arthur Conan Doyle - cap. XXIV


Finalmente, sua consciência podia estar pacificada com a crença no acordo pela repugnância ao dogma das penas eternas e do inferno para os condenados:

“A revelação anula a ideia de um inferno grotesco e de um céu fantástico, por conceber uma elevação progressiva na escala da vida, sem mudanças monstruosas que em um instante nos transformem em anjos ou demônios.”
A Mensagem Vital, Arthur Conan Doyle


Firme na sua convicção de que a revelação espiritualista de seu tempo era uma providência divina, então exclamou:

“Abençoado quem tem o privilégio de ajudar a obra manifesta de Deus. Mas ai daqueles que se Lhe opõem, ou que se atravessam no caminho deste grande e confortador conhecimento que o Seu infinito amor mandou para erguer e inspirar Seus filhos sobre a Terra!”
Reformador - maio, 1979: ‘O Espiritismo segundo Arthur Conan Doyle’


De Jesus, o Cavaleiro Espiritualista falou, ao comentar os grandes “chefes religiosos da História”:

“Mas acima de todos, de acordo com o nosso julgamento de ocidentais, estava Jesus, filho de um artesão judeu, a quem chamamos “O Cristo”. Não é para os nossos cérebros de mosquitos dizer qual o grau de divindade que havia nele, mas na verdade podemos dizer que Ele certamente estava mais próximo de Deus do que nós, e que o Seu ensino, de acordo com o qual o mundo ainda não agiu, é o mais altruísta, misericordioso e belo de quantos temos conhecimento, a não ser aquele de seu santo companheiro Buda, que também foi um mensageiro de Deus, mas cujo credo é antes para as mentes orientais do que para as europeias.”
A História do Espiritualismo, Arthur Conan Doyle - cap. XXIV.


Embate com os antipáticos

Hábil na pena e na oratória, Conan Doyle também protagonizou espetaculares embates com os que teorizavam contra a revelação espiritualista. Em 1920, Doyle e o notável cético Joseph McCabe realizaram um debate público no Queen's Hall em Londres, com Doyle assumindo a posição de que as afirmações do espiritualismo eram verdadeiras, enquanto McCabe declarava que seu oponente havia sido enganado para acreditar no espiritualismo por meio de truques mediúnicos deliberados.

O pai de Sherlock Holmes também debateu com o psiquiatra Harold Dearden, defendendo que muitos casos de doenças mentais diagnosticadas pela psiquiatria como demência ou loucura eram resultado de obsessão espiritual.

Entretanto, as divergências de ideias não lhe obstáculo para que mantivesse bom relacionamento com vários antipáticos declarados da crença espiritualista. Por exemplo, manteve uma amizade com o famoso mágico americano Harry Houdini, que ganhou notoriedade por desafiar os médiuns alegando que todos os ditos fenômenos mediúnicos não passavam de truques de ilusionismo, promovendo-o a um proeminente inimigo do movimento espiritualista nos anos 1920, após a morte de sua amada mãe. Um amigo do mágico americano contou uma vez em que Houdini realizou um truque impressionante em sua casa na presença de Doyle, garantindo-lhe que o truque era pura ilusão e expressou a esperança de que essa demonstração persuadisse Doyle a não sair por aí “endossando fenômenos” simplesmente porque ele não conseguia pensar em nenhuma explicação para o que vira além do poder sobrenatural. No entanto, de acordo com Ernst, Doyle simplesmente se recusou a acreditar que tinha sido um truque.


Conan Doyle enganado?

Não obstante a reconhecida sagacidade do pai do mais famoso detetive fictício do mundo, é fato que por algumas vezes Arthur Conan Dolye foi desmentido ao defender pretensos médiuns e produtores de fenômenos espirituais — certamente, muito em função de sua boa vontade para com o caráter alheio. Em 1922, por exemplo, o pesquisador psíquico Harry Price acusou de fraude William Hope — conhecido como o “fotógrafo espiritual”. Doyle defendeu Hope, porém mais evidências de trapaça foram obtidas de outros pesquisadores.

Conan Doyle novamente teria se enganado em acreditar que os irmãos Julius e Agnes Zancig tinham poderes psíquicos genuínos e em afirmar publicamente que os Zancigs usavam telepatia. No entanto, em 1924, os Zancigs confessaram que seu ato de ler mentes foi um truque; eles publicaram o código secreto e todos os outros detalhes do método de truque que usaram sob o título “Nossos Segredos” em um jornal de Londres.

Em 1926, depois da publicação dos dois volumes que compõem A História do Espiritualismo, Robert John Tillyard escreveu na revista Nature um ensaio predominantemente de apoio a Doyle. Este artigo provocou controvérsia no meio científico e outros críticos retrucaram que a mediunidade era uma fraude, bem como insinuaram que Conan Doyle não tinha usado de uma devida abordagem científica quanto a este assunto.

Malgrado todas essas controvérsias, Arthur Conan Doyle perseverou na sua convicção espiritualista.




A História do Espiritualismo por Conan Doyle

Se o pai de Sherlock Holmes desejava que sua biografia ficasse marcada pela sua obra espiritualista, o seu passo certeiro nessa direção se realizou na publicação da magistral obra A História do Espiritualismo (The History of Spiritualism), originalmente lançada em dois volumes, ambas de 1926. Em seu prefácio, ele justificou o interesse em compor este trabalho:

“É realmente curioso que este movimento, que muitos de nós consideram como os mais importantes na história do mundo desde o episódio do Cristo, nunca tivesse um historiador entre aqueles que estavam dentro do movimento, e que tivesse uma larga experiência pessoal de seu desenvolvimento.”
A História do Espiritualismo, Arthur Conan Doyle - ‘Prefácio’.


Na mesma seção desta obra, ele reconhece a substancial cooperação do editor, W. Leslie, na composição do livro:

“Estava patente que tal trabalho precisava de muita pesquisa — bem mais do que eu, na minha vida agitada, poderia lhe devotar. É verdade que meu tempo era, em muitos casos, dedicado a isto, contudo a literatura é vasta, e havia muitos aspectos do movimento que reclamavam a minha atenção. Sob estas circunstâncias, eu requisitei e obtive a leal assistência do Sr. W. Leslie Curnow, cujo conhecimento do assunto e capacidade provaram ser inestimáveis. Ele cavou assiduamente na vasta pedreira; separou o minério do lixo e em todos os aspectos tem sido da maior valia. Eu inicialmente não esperava mais do que matéria-prima, entretanto ele ocasionalmente me deu o artigo acabado, do qual eu tenho me aproveitado com prazer, editando-o apenas na medida de obter a minha própria interpretação. Não consigo admitir completamente a leal ajuda que me deu, e se eu não tenho colocado seu nome junto com o meu na página de título, é por razões que ele bem compreende e também concorda.”
Idem

A sua narrativa começa por destacar os antecedentes do Espiritualismo Moderno e seus principais precursores, tais como Emanuel Swedenborg, Edward Irving, os shakers e Andrew Jackson Davis. Em seguida ele passa em revista o marco histórico do movimento, detalhando o episódio de Hydesville com as irmãs Fox; conta como foi o desenvolvimento das sessões mediúnicas na América e na Europa, registrando os grandes feitos dos mais notáveis médiuns da época: Daniel Dunglas Home, Eusapia Palladino, Madame d’Esperance, William Staiton Moses etc. Também registra os mais respeitados trabalhos de pesquisas a respeito dos extraordinários fenômenos psíquicos, exaltando a seriedade de notáveis cientistas como William Crookes, Alfred Russel Wallace, Cesare Lombroso, Charles Richet, Ernest Bozzano, Frederic Myers, Oliver Lodge dentre outros. E, finalmente, não esquecerá de citar o Espiritismo de Allan Kardec (Ver tópico seguinte).

Desta feita, a mencionada obra é reputada como a grande referência histórica do movimento espiritualista moderno do qual originou-se a Codificação Espírita.


Entre o Espiritualismo e o Espiritismo

Pela sua contribuição direta e objetiva ao espiritualismo, podemos dizer que indiretamente Conan Doyle foi um propagandista também do Espiritismo. Mas, a rigor, ele era um espiritualista e não exatamente um espírita.

A exemplo da massa de espiritualistas americanos e anglo-saxões, Arthur Conan Doyle teve dificuldades em compreender o Espiritismo codificado por Allan Kardec, principalmente por conta da Lei de Reencarnação — um dos conceitos fundamentais da Doutrina Espírita e ponto de “discórdia” entre o Espiritualismo Moderno e o Espiritismo. Na sua obra clássica dentre do referido gênero, A História do Espiritualismo, ele trata — ainda que muitíssimo breve — das especificações do kardecismo em relação ao espiritualismo geral num capítulo em que dedica a analisar as versões francesas, alemãs e italianas da nova revelação.

Por alguns indícios em sua narrativa, pode-se notar que ele não estava muito familiarizado nem com Kardec nem com a doutrina kardecista. Em A Nova Revelação ele já havia dito que "muitos estudiosos têm sido atraídos ao Espiritualismo, uns pelo aspecto religioso, outros pelo científico, mas, até agora ninguém tentou estabelecer a exata relação que existe entre os dois aspectos do problema", portanto, ignorando a síntese doutrinária espírita em seu tríplice aspecto: científico, filosófico e religioso. Na sua História, ele se equivoca em alguns dados técnicos (o início das pesquisas kardequianas, o ano da publicação da edição revisada e O Livro dos Espíritos etc.) e caracteriza o codificador espírita mais como alguém que se vê como um missionário religioso em que todo o sistema espírita estaria concentrado. Em suma, Doyle foi por demais lacônico ao tratar de Kardec e da Codificação do Espiritismo.

Quanto ao problema da teoria reencarnacionista, ele não expressa claramente seu ponto de vista. Por um lado, ele dá indicações de que segue a “atitude geral dos ingleses” de cautela:

“Os espíritas ingleses não chegaram a uma conclusão no que se refere à reencarnação. Alguns acreditam nela, outros não, e a atitude geral pode ser entendida assim: como a doutrina não pode ser provada, o melhor seria omiti-la da política ativa do Espiritualismo.”
A História do Espiritualismo, Arthur Conan Doyle - cap. XXI


Por outro lado, abre brechas para a possibilidade do fenômeno natural das múltiplas existências carnais:

“Certas experiências de hipnotismo, das quais as mais famosas foram as do investigador francês Coronel De Rochas, parece que constituíram uma evidência segura, pois quando o sensitivo em transe era levado para o passado, em supostas reencarnações, as mais remotas eram mais difíceis de descrever, enquanto as mais próximas eram suspeitas de ser influenciadas pelo conhecimento normal do médium. Pode-se admitir, pelo menos, que onde uma tarefa especial deve ser concluída, ou onde alguma falta deve ser remediada, a possibilidade de reencarnação pode ser uma coisa bem-vinda para o espírito aflito.”
Idem


Desfecho e legado

As viagens e eventos em favor da divulgação do movimento espiritualista ajudaram a gastar o organismo físico do grande cavaleiro médico-escritor, que não poupou esforços para tal intento. Pouco depois de retornar de mais uma jornada propagandista, ele sofreu um ataque cardíaco em sua casa Crowborough, East Sussex, no dia 7 de julho de 1930, então vindo a óbito aos 71 anos, dos quais mais da metade foi intensamente dedicada à causa espiritualista. Suas últimas palavras foram ditas à sua esposa: “Você é maravilhosa”.

Ainda que indiretamente, Arthur Conan Doyle figura-se entre os grandes seareiros da divulgação do Espiritismo, pois, como espiritualista nos moldes da fenomenologia moderna da mediunidade e das revelações espirituais do movimento que originou a Codificação Espírita, ele ajudou, com seu prestígio e sua ação efetiva em promover conceitos fundamentais da natureza do pós-morte (Deus, imortalidade da alma, comunicabilidade dos Espíritos, fraternidade universal, justiça divina etc.), a disseminar as mesmas sementes que unem o Espiritualismo e o Espiritismo.

O grande filósofo espírita brasileiro do século XX, José Herculano Pires, assim sintetizou o perfil biográfico do nobre Cavaleiro Espiritualista:

“O romancista e o novelista aqui estão, na múltipla tessitura das narrativas que se sucedem, capítulo por capítulo. O autor policial, na perspicácia de apreensão dos fatos. O espírita se manifesta no interesse pelos fatos e pela sua interpretação, na compreensão da grandeza e da importância do movimento espiritista mundial. O médico Arthur Conan Doyle, o homem voltado para os problemas científicos, o pensador, debruçado sobre as questões filosóficas, e o religioso, que percebe o verdadeiro sentido da palavra religião — todos eles estão presentes nesta obra gigantesca, suficiente para imortalizar um escritor que já não se houvesse imortalizado.”
J. Herculano Pires, em ‘Prefácio’ para uma tradução de A História do Espiritualismo


A firmeza e elegância com que historiou e defendeu sua crença espiritualista realmente marcaram sua vida, se bem que a fama do personagem Sherlock Holmes, por ele criado, abre uma justa disputa nesse sentido. Todavia, como ele próprio dizia — e, sem titubear, repetiu na sua única entrevista gravada em áudio e vídeo, em outubro, 1928 —, o importante para ele era mesmo os assuntos psíquicos: “o mais elevado propósito ao qual eu poderia dedicar o resto da minha vida”.

Indalício H. Mendes, colaborador da revista Reformador entre as décadas 1930 e 1970, laureou-o com estas palavras:

“Pela causa da religião espírita, Conan Doyle deu seu coração, sua fortuna e, por último, sua vida. E num sentido espírita, referindo-nos à influência que ele deixou atrás de si, podemos acrescentar apenas isto: Não escrevamos seu epitáfio: ele não morreu.”
Reformador - dez. de 1978


Referências

  • A História do Espiritualismo, Arthur Conan Doyle - Ebook.
  • Site oficial (em inglês) da fundação que leva o nome do referida personalidade: The Arthur Conan Doyle Encyclopedia.
  • Canal de vídeos da fundação Arthur Conan Doyle - YouTube.
  • Verbete Arthur Conan Doyle na Wikipedia.
  • Traços biográficos de Arthur Conan Doyle, por Indalício H. Mendes na revista Reformador - 1ª Parte - 2ª parte.
  • Artigo “O Espiritismo segundo Arthur Conan Doyle” na revista Reformador, maio de 1979 - Online.
  • “A lógica de Conan Doyle a serviço da doutrina”, por Rita Cirne, no Correio News de 30/05/2022 - Online.
  • Perfil biográfico de Conan Doyle na página Mundo Espírita, autor - Portal da FEP.
  • Página especial sobre Arthur Conan Doyle em Autores Espíritas Clássicos.
  • Depoimento de Arthur Conan Doyle sobre o Espiritualismo, em áudio e vídeo, de outrobro, 1928 - YouTube.


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Índice de verbetes
A Gênese, os Milagres e as Predições segundo o Espiritismo
Abreu, Canuto
Adolphe Laurent de Faget
Agênere
Alexandre Aksakof
Allan Kardec
Alma
Alma gêmea
Amélie Gabrielle Boudet
Anália Franco
Anastasio García López
Andrew Jackson Davis
Anna Blackwell
Arigó, Zé
Arthur Conan Doyle
Auto de Fé de Barcelona
Auto-obsessão.
Banner of Light
Baudin, Irmãs
Bem
Berthe Fropo
Blackwell, Anna
Boudet, Amélie Gabrielle
Cairbar Schutel
Canuto Abreu
Caridade
Carma
Caroline Baudin
Célina Japhet
Cepa Espírita
Charlatanismo
Charlatão
Chevreuil, Léon
Chico Xavier
Cirne, Leopoldo
Codificador Espírita
Comunicabilidade Espiritual
Conan Doyle, Arthur
Consolador
Crookes, William
Daniel Dunglas Home
Davis, Andrew Jackson
Denis, Léon
Dentu, Editora
Dentu, Édouard
Desencarnado
Deus
Didier, Pierre-Paul
Divaldo Pereira Franco
Dogma
Dogmatismo
Doutrina Espírita
Doyle, Arthur Conan
Dufaux, Ermance
Ectoplasma
Ectoplasmia
Ecumenismo
Editora Dentu
Édouard Dentu
Elementos Gerais do Universo
Emancipação da Alma
Epífise
Ermance Dufaux
Errante
Erraticidade
Errático
Escala Espírita
Escrita Direta
Espiritismo
Espiritismo à Francesa: a derrocada do movimento espírita francês pós-Kardec
Espírito da Verdade
Espírito de Verdade
Espírito Errante
Espírito Santo
Espírito Verdade
Espiritual
Espiritualismo
Espiritualismo Moderno
Evangelho
Expiação
Faget, Laurent de
Fascinação
Fluido
Fora da Caridade não há salvação
Fox, Irmãs
Francisco Cândido Xavier
Franco, Anália
Franco, Divaldo Pereira
Fropo, Berthe
Galeria d'Orléans
Gama, Zilda
Glândula Pineal
Henri Sausse
Herculano Pires, José
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